Esses dias, encontrei uma edição antiga da revista econômica Gendai Business do Japão e uma das reportagens me fez refletir bastante sobre a comida que comemos todos os dias. Mais especificamente, sobre a carne de frango.
Mas se você é daquelas pessoas que têm estômago fraco, ou muito sensível com a causa animal, recomendo parar por aqui. Meus amigos sabem que não sou adepta a comer carnes e é muito difícil escrever sobre temas como esse. Mas vamos lá.
Assim como na maioria dos países, no Japão, o destino dos pintinhos machos é a morte. As fêmeas fora do padrão – pequenas demais, com deformações, com sujeira, etc – também são mortas. Estima-se que cerca de 14 milhões de pintinhos são mortos por ano no Japão por esses motivos.
Eles são colocados vivos dentro de um saco e morrem por esmagamento ou asfixia. Os que ainda resistem, são congelados dentro desses sacos, até que a empresa responsável pelo lixo venha recolher.
Ouvir eles piarem, enquanto são amontados e esmagados é uma cena aterradora. Mas não passa da primeira etapa do terrível destino que espera os demais.
Longe do normal
Os pintinhos sobreviventes são criados durante 40 a 50 dias e levados para o abate. As granjas vivem esse tipo de ciclo seis vezes por ano.
No processo natural, as aves levariam 120 dias para estarem prontas para o abate. Porém, com inúmeras técnicas de engorda, elas alcançam esse tamanho em 40 dias.
Nesse processo de crescimento artificial, a carne se desenvolve mais rápido do que os ossos, e elas quase não conseguem andar normalmente. Muitas morrem de fome ou sede, por não conseguirem chegar até a comida. Com cerca de 1 mês de vida, param de se movimentar porque as juntas não aguentam o peso do corpo. O acúmulo de água na barriga provoca a morte de outras por insuficiência cardíaca. A morte para esses pequenos seres é lenta e agonizante.
Dobro de aperto do Brasil
Duas vezes ao dia, são feitas rondas para recolher as aves que morreram. Mas a tarefa não é fácil. As aves estão tão aglomeradas num espaço de 50 a 90 metros, que quase não dá para identificar aquelas que morreram. Sem espaço para avançar, os funcionários vão pisando e chutando elas.
Segundo a reportagem da Gendai Business, a aglomeração nas granjas do Japão chega a ser quase duas vezes maior do que no Brasil, o maior exportador de frango para este país.
Para se ter uma ideia, o chão dentro de uma granja japonesa só pode ser visto até o período em que os pintinhos têm cerca de 20 dias. Depois disso, eles ocupam todo o espaço.
E durante esse tempo lá dentro, não é realizado sequer uma única limpeza para retirar as fezes. Como resultado, o chão torna-se uma geleia de sujeira e penas.
Cerca de 87% das aves passam a sofrer de inflamação na pele devido ao pus acumulado nos pés para tentar sustentar o corpo gigante.
Num período em que estariam dormindo sob as asas da mãe, o único que resta a elas é olhar para as paredes e suportar a dor.
Alta dose de medicamentos
As aves só não adoecem devido às doses de vacinas e antibióticos. O sistema de criação visa o limite até onde elas podem suportar antes de ir para o abate.
Um relatório do Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar do Japão comprovou que a carne de frango produzida no Japão apresenta um nível de 59% de bactérias resistentes a medicamentos, em contraposição a 34% da carne de frango que vem de fora.
Para quem achava que o produto nacional era mais saudável, engana-se.
Até o ano passado, 8 mil pessoas perderam a vida no Japão devido a complicações com bactérias resistentes a antibióticos.
Hora do Japão rever esse sistema de criação de aves.
“Better Chicken”
No ano passado, o The European Chicken Commitment anunciou o projeto “Better Chicken” para reformular o sistema de criação de aves até 2026.
As medidas incluem desde o respeito ao tempo de desenvolvimento, limite mínimo de área de 1 metro para 30 kg de aves e até o uso do gás no processo de sacrifício.
Empresas como Burger King e Unilever, anunciaram que vão apoiar o sistema “Better Chicken”.
E se o Japão não despertar para esse problema também, a conta pode sair cara para a sociedade mais tarde.
Todos os anos, o Japão consome 700 milhões de aves e importa outra metade do exterior.
A questão não é proibir o consumo ou sacrifício dessas aves. Mas sim, pensar “no que as pessoas estão comendo”, que ciclo de vida teve essa comida, e se é justo permitir que tudo continue assim.
Observação: respeitei o texto da Gendai Business que tratou as galinhas como “pintinhos”, porque, com apenas 40 ou 50 dias de vida, ainda seriam pintinhos no processo natural. Quando vão para o abatedouro, choram realmente como pintinhos, que de fato são.