Foi uma fuga cinematográfica, no sentido literal dos fatos, e Carlos Ghosn, 65, parece estar disposto a lançar um livro e investir na produção de um filme para contar sua história, segundo disse uma pessoa próxima que participou de uma recepção no Líbano, no qual estava presente o ex-presidente da Nissan.

Ghosn, que cumpria prisão domiciliar no Japão, era conhecido por todos, vigiado 24 horas e até as portas da sua residência tinham câmeras. Apesar de todo o esquema de segurança, o ex-executivo atravessou três fronteiras internacionais, viajou 9 mil quilômetros e chegou até o Líbano.

Como o Japão vai se explicar ao mundo? Quando Ghosn recebeu permissão para aguardar o julgamento em sua residência, não usava a típica tornozeleira eletrônica com GPS para impedir qualquer fuga. O Japão não tem esse costume. 

Os  passaportes dele (francês, libanês e brasileiro) estavam retidos sob a vigilância de seu advogado no Japão, mas ele tinha mais um passaporte francês, que usou ao entrar no Líbano. 

Menos críticas a Ghosn

Nem todas as vozes são de críticas a Ghosn. Na França, 75% dos leitores entrevistados por um jornal francês disseram apoiar a fuga e alguns chegaram inclusive a comparar o feito com o do Conde de Monte Cristo, da obra de Alexandre Dumas (o marinheiro que foi preso injustamente e conseguiu fugir da prisão, de posse de uma fortuna misteriosa). 

Até mesmo o Wall Street Journal, no seu editorial de 1º de janeiro, disse que era compreensível a atitude, tendo em vista o sistema judicial japonês. 

Já no Líbano, Carlos Ghosn é considerado como um herói pela classe mais rica. E, na ausência de um tratado de extradição entre Beirute e Tokyo, é improvável que Ghosn seja devolvido ao Japão.

Enquanto prepara uma entrevista coletiva no dia 8, Ghosn divulgou um comunicado no qual afirmou: “não serei mais refém de um sistema judicial japonês manipulador, que parte do pressuposto da culpa, onde direitos humanos básicos são negados. Não fugi da Justiça. Escapei da injustiça e da perseguição política. Agora posso finalmente me comunicar livremente com a mídia e estou ansioso para começar na próxima semana”.

Mais críticas ao sistema judiciário japonês

Duramente criticado internamente, a Promotoria japonesa tenta buscar soluções para um processo que pode dar-se por perdido, se o réu não voltar para concluir o julgamento sobre as violações financeiras das quais é acusado. A primeira audiência está marcada para o mês de abril.

Por outro lado, o mundo volta mais uma vez a atenção ao rígido e autoritário sistema penal japonês, que permite fazer interrogatórios durante oito horas por dia, sem a interferência de um advogado. 

De fato, Ghosn permaneceu 108 dias seguidos nessas condições, sem poder falar inclusive com sua esposa. Depois de ser detido em novembro de 2018, acabou sendo afastado da presidência do conselho das três montadoras que comandava: Nissan,  Mitsubishi e Renault.

A fuga de Ghosn ao exterior faz o Japão questionar-se sobre suas próprias falhas mas, por outro lado, pode tornar a Promotoria ainda mais intransigente, impedindo qualquer acordo em casos futuros.

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